MOMENTOS PAIS E FILHOS
Uma história de amor que acompanha gerações.
Quando era criança, nos anos 70, meu pai trabalhava como viajante. Saía na segunda de madrugada e voltava na sexta, quando eu já estava dormindo.
A gente morava em Rio Preto ele rodava pelo país inteiro: Mato Grosso, Goiás, Paraná e até para o Paraguai ele ia.
Pra isso ele precisava de um carro bom. Naquela época isso significava uma Brasília 1979. Era o “carro do ano”.
Eu mal podia esperar pro meu pai chegar e dar um abraço nele. Depois eu ia correndo na garagem ver se a Brasília estava suja o suficiente.
“Pai posso lavar o carro”? Esse era o programa de sábado de manhã. Eu fazia questão de deixar tudo limpinho: passava aspirador, lavava bem as rodas, os frisos e o para-brisa. Eu adorava.
Depois de tudo pronto eu chegava pro meu pai, meu encabulado: “Então pai, terminei e o carro tá todo molhado. Eu posso dar uma volta pra secar”?
Ele rindo da minha tentativa de suborno dava uma risada e me deixava dar uma voltinha pelo quarteirão.
Naquele tempo as ruas eram muito tranquilas e as leis de trânsito não eram tão rígidas.
E mesmo cansado da longa semana na estrada, meu pai não resistia aos olhos de pedinte da minha irmãzinha: “Vamo passiá de basilinha nossa”?
E a gente saía pelo bairro. Eu no banco do passageiro, com cara de blasé mas por dentro morrendo de orgulho, fazendo inveja para meus amigos.
O melhor eram as viagens. Quando já estava tudo pronto meu pai dizia: “Vamos embarcar!”. Era a deixa pra entrar no carro e pegar a estrada.
Parte do ritual do meu pai era sempre fazer o sinal da cruz antes de entrar na rodovia. No banco de trás, eu e minha irmã sempre ríamos. Coisa de criança.
Com o tempo ele foi trocando de carro e um dia, quando eu cheguei da escola, já adolescente, mal podia acreditar: na garagem um Santana Quantum branco, quatro portas! Caramba!
Peguei a chave, entrei e maravilhado comecei a fuçar em todas as coisas. Tinha até ar condicionado! Sem falar no toca-fitas com “auto reverse”. Era o máximo.
Eu tinha que fazer 18 anos logo para tirar carta. Meu sonho era passear na Andaló com meus amigos para paquerar as meninas que ficavam na avenida.
Na primeira prova eu falhei. No teste da rampa eu saí cantando pneu. Voltei pra casa desolado. Meu pai riu: “Da segunda vez você consegue, filho”.
Dito e feito. Já com 18 anos e a carta na mão cumpri o rito de passagem e já me sentia um homem!
Um sábado à noite eu já tinha tudo combinado com meus amigos e com uma menina que eu estava apaixonado.
Finalmente ia encontrar todo mundo na avenida e ir lá me mostrar para ela. Queria que todos vissem a gente andando de carro.
Mas como nem sempre as coisas saem do jeito que a gente quer, naquele dia meu pai não me emprestou o carro: “Tá sem combustível”.
O quê? Mas não é só passar no posto e abastecer? Não é possível! Meu sonho foi por água abaixo.
Dei uma desculpa qualquer para meus amigos, fui pro meu quarto, bati a porta e chorei de raiva. “Como assim sem combustível”?
Na segunda-feira seguinte, no caminho pra escola eu e meu pai, a gente nem se falava. Dava para cortar o ar com uma faca.
Pra quebrar o clima ele ligou o som. A fita cassete da Rita Lee cantava: “Papai me empresta o carro, tô precisando dele pra levar minha garota ao cinema, papai não crie problema”. Não podia ficar pior.
Mas o tempo ajeita tudo e dias depois a gente já tinha voltado a se falar. Já na faculdade, meu programa preferido de domingo era assistir às corridas de Fórmula 1 com o velho.
A gente vibrava em frente à TV com os carros a toda velocidade. Galvão Bueno ia narrando e a gente ficava secando o Alain Prost da McLaren, o Nigel Mansel da Williams e é claro o Schumacher.
Como eles tinham coragem de ultrapassar nosso querido Ayrton Senna? E foi num domingo, dia 1o de maio de 1994, que choramos juntos. Nosso ídolo “bateu forte”. O resto vocês já sabem.
Hoje sou adulto e feliz proprietário de um carro do ano. Ele tem todas as facilidades que meu pai jamais sonharia: vidros elétricos, bluethoot, GPS, motor flex e todo o conforto que eu preciso.
E até hoje, antes de pegar a estrada, faço o sinal da cruz. Ah, pai como eu gostaria que você estivesse me vendo agora.
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